Tenho tido a oportunidade de acompanhar algumas atividades desse programa, que recentemente mergulhou em um projeto emocionante sobre as conexões históricas e sociais entre favelas e quilombos. Esse processo, liderado pela educadora e moradora de Paraisópolis, Jailma Flor da Silva, mostrou como essas formações podem ampliar horizontes e transformar percepções, especialmente para as crianças.
Por que trabalhar favelas e quilombos na sala de aula?
Ao conversar com Jailma, ficou claro que essa iniciativa foi muito mais que uma atividade pedagógica. Ela me contou que, quando era criança, sentia-se insegura em dizer que morava na favela, muito por causa da maneira como a mídia retratava esses territórios. Apenas na vida adulta, ela percebeu as riquezas e a importância de Paraisópolis, o lugar onde cresceu e ainda vive.
Para ela, é impossível falar sobre favela sem mencionar a história dos quilombos. Ambos simbolizam resistência e luta por dignidade e reconhecimento. É essencial que as crianças compreendam isso desde cedo. A ideia do projeto nasceu de conversas com outra educadora, a Érika Yasmin, e do desejo de desconstruir estereótipos, sem esconder a realidade, mas também destacando a força e a riqueza dessas comunidades.
Como o tema foi trabalhado?
No início, Jailma contou que foi desafiador, já que as crianças precisavam de algo concreto para compreender melhor o tema. Por isso, a abordagem foi dividida em duas etapas.
Na primeira, o foco foi nas comunidades quilombolas. As crianças aprenderam sobre figuras históricas como Dandara, Zumbi dos Palmares e Zeferina, e exploraram a capoeira como uma expressão cultural que vai além da luta. Trabalhos manuais, como a confecção de um tapete artesanal, conectaram as crianças à riqueza cultural dos quilombos. A literatura também desempenhou um papel essencial, ajudando-as a assimilar melhor os conteúdos.
Na segunda etapa, o olhar se voltou para a favela. Um dos momentos mais marcantes foi quando Jailma e Érika trouxeram um mapa de Paraisópolis para a sala de aula. “Ver as crianças localizando suas casas e identificando vizinhos foi incrível”, disse Jailma. Além disso, fotógrafos locais como José Barbosa e Ketlua Rodrigues foram apresentados, inspirando as crianças a fotografarem a favela com seus próprios olhares.
Eu, como comunicadora do Pró e moradora de Paraisópolis, tive o privilégio de participar do encerramento do projeto. Compartilhei com as crianças algumas das minhas vivências na favela e perguntei o que elas achavam que havia em comum entre quilombos e favelas. Elas falaram sobre a quantidade de pessoas, as vielas, a feira e a música, traçando conexões. Também levei a música do “Pão de Queijo” em versão funk, mostrando como esse gênero musical é uma expressão cultural viva e forte para nós da quebrada.
O impacto desse trabalho
Ouvir as crianças foi a melhor forma de perceber o impacto do projeto. Uma das falas mais marcantes, segundo Jailma, foi de uma aluna, que disse: “Os dois lugares têm uma luta.” Isso abriu discussões sobre raça, negritude e até violência policial. Para as professoras foi emocionante ver as crianças conectando a agitação da favela ao que aprenderam sobre os quilombos.
Esse projeto não apenas ampliou a visão das crianças sobre suas próprias histórias, mas reafirmou o poder transformador da educação. Como Jailma disse tão bem: “somos o quilombo contemporâneo.” Eu me sinto honrada em fazer parte desse processo e, como comunicadora do Pró-Saber SP, ajudar a contar essas histórias que conectam passado, presente e futuro.