Crianças do Pró Ler & Brincar escolhem nomes de personalidades negras e indígenas para representar suas salas

[07-05-25] - Capa do Blog - Pró Ler & Brincar_Prancheta 1

Durante quase dois meses, as turmas do Pró Ler & Brincar vivenciaram um processo coletivo e imersivo para escolher os nomes que representariam suas salas. A proposta faz parte do plano pedagógico com foco na alfabetização, e incorporou o tema das relações étnico-raciais como eixo transversal. A atividade foi desenvolvida em diferentes etapas de estudo, reflexão e participação democrática.

Tudo começou com a seleção de personalidades negras e/ou indígenas com representatividade para a comunidade, o país ou o mundo. Cada dupla de professoras escolheu de três a quatro figuras para apresentar às crianças. A partir disso, os grupos realizaram estudos sobre cada pessoa, com rodas de conversa, pesquisas, apreciação de fotos e vídeos.

Na sequência, foi o momento da votação. Cada turma pôde escolher o nome de forma democrática, por meio de diferentes metodologias: voto oral, cédulas impressas com nomes e fotos e até uma cabine de votação digital com simulação de urna eletrônica. Antes de cada etapa, as educadoras explicaram cuidadosamente o processo e a importância do momento.

Depois de semanas de envolvimento e construção coletiva, as personalidades escolhidas pelas crianças foram:

  • Lavínia Rocha – Escritora mineira e autora de livros infantojuvenis com protagonistas negros e histórias afrofuturistas.
  • Bel Santos Mayer – Educadora social e ativista do direito à leitura, cofundadora do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (Ibeac).
  • Aqualtune – Princesa do Congo que foi escravizada e liderou quilombos no Brasil, sendo ancestral de Zumbi dos Palmares.
  • Djavan – Cantor e compositor alagoano, conhecido por misturar MPB, jazz, funk, samba e outros ritmos em músicas que marcaram gerações.
  • Maria Felipa – Mulher negra, marisqueira e heroína da Independência do Brasil na Bahia, liderou uma resistência contra tropas portuguesas em 1823.
  • Katú Mirim – Rapper, ativista indígena e LGBTQIA+, usa a música para fortalecer a identidade dos povos originários.
  • Dra. Mae Jemison – Primeira mulher negra a viajar ao espaço; médica, engenheira e ex-astronauta da NASA.

José Duarte, assistente da coordenação pedagógica, explica que a atividade foi inspirada em uma experiência da EMEI Nelson Mandela, localizada no bairro do Limão, em São Paulo. Anteriormente chamada de EMEI Guia Lopes, a escola iniciou, em 2001, um projeto pedagógico voltado ao ensino de história e cultura afro-brasileira, conforme previsto pela Lei nº 10.639/2003, que torna obrigatório esse conteúdo no currículo escolar.

Em 2011, após anos de trabalho com o tema, a escola foi alvo de um ataque racista: um picho no muro com a frase “vamos cuidar do futuro de nossas crianças brancas” motivou uma forte mobilização da comunidade escolar. Como resposta, propuseram a mudança do nome da escola para homenagear Nelson Mandela, símbolo da luta contra o racismo e a segregação racial. A mudança foi aprovada em 2016 e, desde então, a EMEI Nelson Mandela se tornou referência em educação pública antirracista, sendo reconhecida com diversas premiações.

Essa trajetória inspirou o Pró-Saber SP a adaptar a prática, “Nos inspiramos na experiência da EMEI Nelson Mandela, que nomeia os grupos de crianças a partir do estudo de pessoas negras e indígenas. Entendemos que essa é uma forma potente de valorizar e reconhecer a cultura, a história e a força africana e afro-brasileira, e por isso a adotamos como referência.”

Durante o percurso, as educadoras também se depararam com falas que revelam preconceitos já internalizados pelas crianças, como comentários sobre aparência ou profissão baseados em estereótipos raciais. “Essas falas mostram o quanto ainda precisamos avançar. Trazer representatividade para o cotidiano das crianças é fundamental para transformar esse imaginário coletivo”, afirma José.

Segundo ele, a proposta vai muito além da nomeação das salas, “Queremos mostrar que essas crianças podem ser o que quiserem. Que existe espaço para que realizem seus sonhos. Essas personalidades negras e indígenas trazem visibilidade, inspiram, encorajam e nos mostram que é possível vencer os desafios que a vida impõe.”

Como resultado do trabalho, um momento simbólico marcou a equipe: após a eleição, uma criança levou para casa a imagem da personalidade escolhida pela turma. Em um vídeo enviado por sua mãe, ele aparece contando, com orgulho, quem era aquela mulher na foto e o que ela representava. Mais do que descrever, ele demonstrava o impacto profundo que a atividade teve.

A semente foi lançada — e já começa a florescer em uma nova geração, mais consciente, respeitosa e conectada à sua história.

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