Até o momento que escrevo esse texto, o livro Amoras, do Emicida e Aldo Fabri, já foi emprestado 187 vezes pela nossa biblioteca e todos os anos a história é contada para 150 crianças, em média. Diante do que aconteceu no mês passado, onde uma mãe vandalizou o livro, com críticas às religiões de matrizes africanas, senti uma necessidade latente de compartilhar como um livro é escolhido aqui no Pró-Saber SP.
Para você ter uma pequena ideia da importância desse olhar criterioso na escolha, nossa biblioteca contém mais de 20.000 títulos e durante o ano, em cada turma do Pró Ler & Brincar, mais de 100 histórias são contadas. Selecionar os livros que serão compartilhados com as crianças e jovens é algo que levamos muito a sério e apenas obras com qualidade literária são selecionadas. A seguir, compartilho a nossa compreensão sobre o que é qualidade literária e os critérios para as nossas escolhas.
Quando se diz sobre qualidade literária, se entra, em alguma medida, num terreno arenoso, haja vista que “qualidade” é um termo relativo e que ganha, portanto, significados diversos a depender do contexto. Não definimos essa tal qualidade literária, mas para garanti-la, produzimos alguns critérios que nos orientam e facilitam a busca por ela. Os critérios literários referem-se ao ato de nos debruçarmos sobre aspectos que compõem os textos e as ilustrações. Quando olhamos para os textos, procuramos encontrar neles o uso extenso e pleno de recursos linguísticos que oferecem a esse texto mesmo, amplitude, descrição, poética, refinamento, vocabulário, interpretação. Em se tratando das imagens ou ilustrações, o mesmo é procurado. Observa-se os traçados, a autenticidade da pessoa que ilustrou, a diversidade de materiais utilizados para composição daquela ilustração, a originalidade e expressividade contidas ali. A composição do texto e da ilustração que ofertam possibilidades imaginativas e criativas, que aguçam uma experiência literária potente e imersiva por parte da pessoa que lê, é aquela que buscamos e entendemos enquanto “qualidade literária”.
A escolha dos livros para as crianças é acompanhada por esses critérios, sendo assim, a motivação para a escolha de um título não parte apenas dos gostos pessoais de quem educa, mas para além desse gosto, há a procura de livros que tragam esses elementos ampliativos que possibilitem às crianças o desenvolver de um senso crítico e estético dentro da literatura infantil e que remonta aos critérios citados acima. A expectativa da devolutiva quando feita a leitura para as crianças, é que elas, em um primeiro momento, sejam consideradas pelas autoras ou pelos autores dos livros como seres plenamente capazes de compreender o campo abstrato das ideias ou a complexidade dessas ideias. E em um segundo momento, a expectativa é que as crianças, afetadas por esse texto e por essa ilustração, tragam impressões e caminhos diversos e possíveis de interpretação daquilo que elas ouviram, trazendo à tona aquilo que as afetaram, do que as fizeram lembrar, do que as fizeram sentir.
Além disso, sempre que escolhemos um livro, pensamos nos critérios de diversidade (uma palavra bastante manjada, mas muito interessante e que nos ajuda a direcionar um pouco o que queremos encontrar nos títulos), sendo assim, durante as leituras, colocamos as crianças em contato com as multipluralidades do mundo, dando acesso às possibilidade de não apenas se identificarem, mas de conhecerem as diversas maneiras de se existir, coexistir e de se inventar.
Mas essa é a forma que escolhemos os livros que lemos para as turmas e você, como escolhe a sua próxima leitura?