Quando falamos de Paraisópolis, qual é a primeira coisa que vem à sua mente?
Não precisamos investigar a fundo para saber que “baile funk” é uma das principais. O baile da DZ7 é um dos mais conhecidos na região e Brasil afora – tornou-se, inclusive, um ponto turístico para pessoas que vêm de diferentes cidades do país.
De acordo com pesquisa realizada pelo Spotify, os gêneros de funk e rap cresceram 200% no Top 10 de 2022.
Por que, então, o funk é condenado? Por que não é compreendido como cultura?
Se estamos em um território onde o gênero é a principal expressão e o baile movimenta diferentes públicos, artistas e canções; se estamos falando da 2ª maior comunidade de São Paulo, com mais de 100 mil habitantes, então, não deveria o funk ser a máxima da cultura de um grupo?
“Queria mostrar pras pessoas que minha arte representa a minha quebrada”, explica Fernanda.
Fernanda Souza, conhecida como correrua, é artista, fotógrafa, diretora de arte e funkeira. Além de jornalista, pesquisadora, stylist e professora de Língua Portuguesa. Convidamos Fernanda para bater um papo com os jovens mediadores do Pró Jovens nas Escolas, parte da oficina de fotografia que fizemos com eles.
Fernanda é uma artista multidisciplinar – como ela mesma diz, “uma criativa especialista em cultura de rua de fa
vela” – com trabalhos expostos em galerias na Europa, campanhas para marcas internacionais e, principalmente, um olhar que valoriza sua origem.
Cria do Grajaú, Fernanda começou na fotografia ainda adolescente, com uma câmera analógica nos bailes funks de Paraisópolis. Desde então já fez trabalhos para marcas como Nike e Lacoste, parceria com Kondzilla e dirigiu clipes de artistas como Tasha&Tracie e Julia Costa.
“Eu sou da favela, isso faz parte da minha história. Isso é o meu trabalho”, diz.
Não é todo dia que a gente pode conhecer alguém que vem da quebrada, fotografa a nossa realidade e que faz sucesso Brasil e mundo afora. E, claro, já trabalhou com artistas que estão nas playlists dos jovens.
“Essa formação me deixou muito feliz, muito mesmo! Mostrou os trabalhos que ela fez aqui onde moramos, como música de artistas famosos” – depoimento de aluna do Pró Jovens.
Durante o papo, Fernanda apresentou alguns de seus trabalhos, incluindo uma exposição fotográfica pelas ruas do Grajaú. E contou que pretende trazer suas fotos de Paraisópolis também para uma exposição nas vielas daqui.
“As aulas de fotografia ajudaram também na minha prática com as crianças. Antes de tirar uma foto a gente precisa olhar para o espaço, pensar o que irá compor a foto. Passei a olhar para os cantos que montamos para as crianças com mais cuidado, olhar os detalhes do brincar. Estou mais atento a essas questões”, Gabriel Jesus, mediador do Pró Jovens nas Escolas e ex-aluno.
“Quando a gente não gosta de uma música, normalmente não gostamos das pessoas associadas àquele gênero”, conta Thiago.
Thiago de Souza, conhecido nas redes sociais por seu perfil canaldothiagson, é mestre em Música pela UNESP e doutorando pela USP. Da baixada santista, Thiago usa seu canal para desmistificar o funk e mostrar a complexidade do gênero.
Num bate-papo regado a muitas batidas diferentes, os jovens e Thiago trocaram suas percepções sobre o universo da música, suas histórias e encontros como pessoas periféricas. De quebra, ganharam o livro do doutorando Funk no Pelo – tudo o que você sempre quis saber sobre o funk… mas tinha medo de perguntar, pela Editora Tipografia Musical.
“Existe um preconceito de que o funk é a falta de escolha, mas não é. É um ritmo que não é qualquer um que faz. E ele é mais próximo da nossa realidade do que a música clássica”, afirma Thiago.
O embasamento teórico de Thiago soma à experiência de ver a transformação que o funk pode trazer na vida de quem faz parte dessa cultura, como no trabalho de Fernanda. Falar sobre identidade, território e representatividade da favela é trazer a potência de talentos que têm vivências similares e transformam a origem e essência em arte e conhecimento.
Como diz Thiago, viva o funk na nossa vida!